Nas primeiras horas da manhã de 5 de fevereiro de 1941, uma forte ventania, aliada a uma densa neblina, fizeram o cargueiro inglês SS Politician sair da rota entre Liverpool, na Inglaterra, e Nova Orleans, nos Estados Unidos, e atropelar as pedras da ilha Eriskay, na costa noroeste da Escócia.

E ali ele ficou, entalado.

Apesar da gravidade do acidente, não houve vítimas entre os tripulantes e todos foram resgatados pelos poucos (não mais que 400) moradores da ilha, que os levaram para suas casas.

Lá, durante a habitual receptividade que dedicavam aos eventuais náufragos, os habitantes de Eriskay tomaram conhecimento da carga que o navio transportava: banheiras, pianos, roupas de cama, componentes para motores, o equivalente a três milhões de libras esterlinas em cédulas de dinheiro da Jamaica, que haviam sido impressas na Inglaterra.

E – mais precioso que tudo, ao menos para eles… – 22 000 caixas de uísque escocês, que somavam 264 000 garrafas do mais puro scotch, este sim um autêntico tesouro, sobretudo na carência geral de suprimentos causada pela Segunda Guerra Mundial.

A descoberta gerou um frenesi generalizado na ilha.

Naquela mesma noite, enquanto os náufragos dormiam, teve início uma das mais peculiares ações comunitárias que se tem notícia na história do Reino Unido: o resgate, silencioso e sincronizado, das caixas de uísque que jaziam nos porões do SS Politician por todos os moradores da ilha – inclusive pacatas donas de casas, que não pensaram duas vezes na hora de aderir ao butim etílico coletivo.

Usando até velas para iluminar as pedras da costeira, e recolhendo o máximo possível de caixas a cada incursão aos restos do navio, os habitantes de Eriskay passaram a madrugada surrupiando garrafas e as escondendo na ilha, antes que o dia amanhecesse e os tripulantes despertassem.

Quem não conseguiu chegar ao navio, passou a noite espreitando os vizinhos, para ver onde eles escondiam as garrafas – e depois foram lá capturá-las, num típico caso de saque aos saqueadores.

Mas os moradores da ilha não pensavam dessa forma.

Tampouco consideravam o ataque aos porões do navio como sendo um saque.

Para eles, não havia nada de ilegal em “resgatar” o que havia chegado pelo mar.

Encaravam o uísque como sendo uma dádiva, que, do contrário, estaria fadada a desaparecer no fundo do mar, junto com o navio.

E ao se apoderarem das garrafas, julgavam estar fazendo apenas o “salvamento” de parte da carga, ainda que em favor apenas deles próprios.

No entanto, o chefe da agência alfandegária da região não pensava assim.

Na manhã seguinte, ao saber do saque comunitário perpetrado pelos moradores da ilha, ele acionou a polícia.

Mas não por roubo de carga, como seria de se imaginar, e sim por sonegação fiscal, já que aquele uísque estava sendo exportado e, portanto, isento de pagamento de imposto apenas se fosse consumido fora do Reino Unido – e não numa ilhota da própria Escócia.

Embora estapafúrdio, o argumento convenceu a polícia, que seguiu para ilha, embora alguns policiais estivessem tão interessados em uma daquelas garrafas quanto os próprios saqueadores.

E os saques continuaram.

Nas noites subsequentes, enquanto toda a população da ilha brincava de gato e rato com a polícia, garrafas e mais garrafas de uísque eram subtraídas do navio e escondidas nos mais diferentes pontos da ilha – dentro de grutas, chaminés, colchões ou enterradas em qualquer canto, antes que o dia amanhecesse e a polícia chegasse.

Mas o problema foi que os saqueadores começavam a beber durante o próprio saque e, bêbados, depois não se lembravam onde haviam escondido as garrafas, o que fez com que muitas se perdessem para sempre.

A farra durou semanas, durante as quais muitos moradores de Eriskay conviveram com porres homéricos.

E não terminou nem quando o chefe alfandegário, farto de ser ludibriado pelas artimanhas dos ilhéus, mandou explodir uma parte do casco do navio, para que ele afundasse de vez – o que, de fato, aconteceu.

Ainda assim, durante um bom tempo, garrafas cheias de uísque foram dar nas praias de Eriskay, e outras foram resgatadas por mergulhadores, o que persiste até hoje.

Vira e mexe, uma nova garrafa emerge dos restos do SS Politician e atinge valores espantosos em leilões na Inglaterra, apesar dos alertas de que, talvez, a bebida não possa mais ser consumida, porque uísques envelhecem em barris, não em garrafas, muito menos após oito décadas no fundo do mar.

Quando isso acontece, a garrafa recuperada ganha o nome de “Whisky Galore” (algo como “Uísque em Abundância”), mesmo título de um livro escrito por um morador da ilha sobre o caso, que, depois, foi transformado em filme e musical de sucesso no Reino Unido, e narra a bem-humorada história de como os espertos moradores de Eriskay passaram dias driblando a polícia em troca de uma boa dose de uísque.

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