Certo dia, dez anos atrás, o fotógrafo submarino Alcides Falanghe, então com 52 anos, casado pela segunda vez com a também paulistana Tatiana Zanardi, dois filhos já criados e editor de uma revista especializada em mergulho, acordou para ir trabalhar, como sempre fazia, mas parou diante do espelho do banheiro e ficou olhando fixamente para si mesmo.
Em seguida, num impulso, pegou o batom da esposa e escreveu a frase “Mudar de vida!” no próprio espelho, para que, todo dia, ao acordar, ele lesse a mensagem e tomasse uma iniciativa – que, desde o início, teve o apoio da esposa, também insatisfeita com a vida bem classe média que os dois levavam em São Paulo.
Mas custou ainda um par de anos até que Alcides, finalmente, tomasse coragem para romper as amarras do emprego, da segurança financeira, da confortável, porém infeliz, rotina e de tudo o prendia o casal àquele tipo de vida, na maior metrópole do país.
Quando, porém, isso aconteceu, o resto foi muito rápido.
Alcides largou o emprego, bem como a mulher, que vinha acumulando uma série de aborrecimentos no trabalho, e os dois imediatamente puseram à venda o apartamento onde viviam (único bem que eles tinham), bem como tudo o que havia nele, além do carro da família.
Com o dinheiro arrecadado, compraram duas passagens para Miami, com um só objetivo. Viver na América? Não. Morar num barco. E não nos Estados Unidos.
“Como eu era mergulhador e minha mulher sempre mergulhava comigo, já tínhamos ido ao Caribe. E era para lá que nós queríamos voltar. Mas, agora, para viver no mar, transformando um barco na nossa nova casa”, recorda Alcides, que, no entanto, tinha um grande problema pela frente: ele não sabia navegar. O jeito foi aprender em seguida.
Em Miami, onde o preço dos barcos é bem mais em conta do que no Brasil, eles compraram um veleiro usado, com o exato dinheiro da venda do apartamento.
Não sobrou nada, mas, tudo bem: a partir de então, o objetivo deles seria mesmo viver com pouco dinheiro – mas no Caribe, vagando de ilha em ilha pelo tempo que quiserem, já que, uma vez com o barco, sempre estariam “em casa”.
E tem sido assim até hoje, dez anos depois daquela radical mudança de vida – que eles jamais se arrependeram.
Para sobreviver – e bem – o casal passou a hospedar turistas brasileiros que buscavam conhecer o Caribe da maneira mais original possível.
Ou seja, a bordo de um barco, parando em algumas das praias mais bonitas do mundo – serviço que, no meio náutico, é conhecido como “charter”.
O negócio deu tão certo que, atualmente, eles têm até lista de espera para os chaters que promovem, feitas através do site do casal, o www.oceaneyesexperience.com e do Facebook.
Uma semana no barco do casal, com tudo incluído, inclusive as refeições (e até curso gratuito de navegação a vela que Alcides costuma dar para quem quer aprender a velejar durante os próprios passeios, enquanto Tatiana cuida das refeições, já que é uma chef de cozinha), custa o equivalente a R$ 8 500 por pessoa, no caso de serem mais de duas ou uma família – ou R$ 24 000 o casal, se não houver mais pessoas viajando junto.
“Não é caro, porque só um bom hotel no Caribe já custa quase isso por semana, sem falar nas refeições, que custam outro tanto”, defendem Alcides e Tatiana, que de tanto receber brasileiros no seu barco se tornaram anfitriões de primeira. E amigos de todos os clientes, até hoje.
“O pessoal adora ouvir a nossa história, porque sempre fomos assalariados e sem dinheiro sobrando para nada. Mas, agora, vivemos exatamente onde eles passam férias e num barco, o que é o sonho de muita gente”, diz Alcides, mais que satisfeito. “Conseguimos o que queríamos, mas, para isso, foi preciso ter coragem de mudar totalmente de vida, o que não é fácil”, reconhece.
Atualmente, eles têm como “endereço” uma estupenda baía numa das ilhas que compõe as Ilhas Virgens Britânicas, bem no centro do Caribe.
É lá que o barco-casa do casal um confortável catamarã com quatro quartos (que custou o mesmo que um apartamento de apenas dois em São Paulo…) fica ancorado, quando eles não estão levando brasileiros para navegar por algumas das ilhas mais bonitas da região.
Quando isso acontece, o casal, que vai junto no barco, cuida de tudo. Até de assumir as funções de intérprete nas ilhas. “As pessoas não precisam nem saber falar inglês, porque nossos cruzeiros são 100% em português”, brinca Alcides, que é o capitão do barco.
“No Caribe, você atravessa de barco de uma ilha para outra em menos de uma hora. Não dá nem tempo de enjoar”, diz o brasileiro.
Alcides e Tatiana não são os únicos, muito menos os primeiros, a trocar a vida na cidade grande por um barco no mar. Muitos já fizeram isso – clique aqui e conheça outra história exemplar desse tipo. Mas poucos de maneira tão radical.
“Em geral, as pessoas levam décadas acalentando o sonho de viver num barco, ou passam a vida inteira sem realizá-lo. Nós não. Foi meio de sopetão. E olha que não sabíamos nada sobre barcos, apenas gostávamos do mar”, conta Alcides, que hoje não se imagina levando outra vida.
“Até aqui, nenhum dos nossos clientes se arrependeu de trocar um quarto de hotel por uma cabine no nosso barco”, diz o brasileiro, feliz, orgulhoso e sem nenhuma saudade dos tempos em que a rotina do casal era apenas trabalhar, dormir, acordar e começar tudo de novo, na eterna correria de São Paulo