No início de julho de 2020, o navio graneleiro japonês Wakashio zarpou, vazio, do porto de Cingapura, com destino ao Brasil, onde receberia um carregamento de grãos no porto catarinense de Imbituba.

Mas aquela viagem terminou na metade do caminho, quando sua tripulação, com a anuência do capitão indiano Sunil Nandeshwar, decidiu aproximar o navio da principal ilha do arquipélago Mauricio, no Oceano Índico, a fim de captar sinais de telefonia que lhes permitissem se comunicar com amigos e familiares.

No dia 25 de julho, o grande cargueiro, com 299 metros de comprimento, começou a se aproximar da ilha.

Ao mesmo tempo, teve início uma festinha de aniversário de um dos tripulantes, para a qual até o comandante fora convidado.

Ele, então, delegou ao segundo oficial Hitihanillage Tilakaratna a responsabilidade de conduzir o navio durante aquela passagem ao largo da ilha, instruindo, porém, que ela deveria ocorrer “a cerca de cinco milhas da costa”.

Em seguida, o comandante foi para a festa, levando com ele também o “vigia” do turno, tripulante que, de acordo com os protocolos de segurança, deveria permanecer sempre na ponte de comando.

Quase uma hora depois, o comandante, já visivelmente embriagado, retornou à ponte de comando, mas nem chegou a conversar com seu imediato, porque ele estava ocupado.

O comandante deu apenas meia-volta e retornou à festa, onde permaneceu, bebendo e conversando alegremente com seus subordinados.

Até que um violento baque fez tremer todo o casco do navio: o Wakashio havia colidido com a barreira de corais que rodeia a ilha principal de Mauricio e encalhado.

Quando ficou claro que apenas os motores do navio não dariam conta de tirar o cargueiro daquela situação, o comandante do Wakaskio comunicou o fato às autoridades marítimas da ilha e pediu ajuda.

O socorro veio rápido e removeu todos os 20 tripulantes do navio, que nada sofreram no episódio – bem como o enorme cargueiro, que, a princípio, permaneceu apenas cravado no fundo arenoso da barreira de corais.

Como não havia nenhuma carga a bordo, não houve preocupação em esvaziar o navio, a fim de evitar danos ambientais à região.

E, talvez, nada mesmo de ruim acontecesse, não fosse a combinação da imprevisibilidade da natureza com o descaso.

Em 15 de agosto de 2020 – 20 dias após o encalhe e algumas tentativas frustradas de remover o cargueiro da bancada de corais na qual jazia espetado –, uma tempestade fez o mar subir barbaramente e grandes ondas passaram a açoitar o navio inerte.

Logo, o seu casco passou a ser retorcido e a exibir rachaduras, até que se partiu ao meio, feito um brinquedo.

Foi quando começaram os verdadeiros problemas causados pelo Wakashio.

Com o rompimento do casco, cerca de 1 000 toneladas de óleo diesel que estavam nos tanques de combustível do navio vazaram para o mar, contaminando a até então impecável barreira de corais das Ilhas Mauricio, um paradisíaco arquipélago com belas praias e forte apelo turístico.

Para piorar ainda mais o quadro, o acidente ocorreu bem próximo a um santuário ecológico, repleto de animais marinhos.

Nos dias subsequentes, peixes, tartarugas, golfinhos e até baleias começaram a chegar, mortos, às praias da ilha.

O vazamento afetou uma área de cerca de 30 quilômetros quadrados – o pior desastre ambiental da história das Ilhas Mauricio.

E só não foi ainda pior, porque moradores voluntários da ilha trataram de instalar, eles próprios, barreiras improvisadas nos recifes de corais, usando fardos de palha revestidos com tecidos, depois que ficou clara a inépcia do governo local para lidar com o problema.

“Como nunca tivemos um desastre ambiental, não estávamos suficientemente preparados para lidar com um problema dessa magnitude”, admitiu o Ministro do Meio Ambiente das Ilhas Mauricio, diante dos protestos que tomaram ruas da capital, pedindo, inclusive, a renúncia do Primeiro Ministro – que também foi acusado de reprimir a mídia local, para que os fatos não fossem divulgados na sua totalidade.

Para os ambientalistas, a inépcia do governo, que nada fez para retirar o óleo que havia no navio, apesar da crítica posição em que ele se encontrava, fora uma “tragédia anunciada”.

Mesmo assim, o governo mauriciano se limitou a decretar, burocraticamente, “situação de emergência” e, com base nisso, cobrou uma indenização de 34 milhões de dólares ao Japão, já que o navio pertencia a uma empresa japonesa – ou seja, do limão, os políticos da ilha resolveram fazer uma limonada, e lucrar com o caso.

Quando a tempestade passou, a proa do navio partido ao meio, que se soltara com a tormenta, foi rebocada para alto-mar e ali afundou, uma semana depois.

Já a popa seguiu encravada no recife, vazando paulatinamente ainda mais óleo, o que gerou outra tragédia – esta, ainda pior que o vazamento tóxico.

No dia 31 de agosto, durante uma tentativa de remoção do que restara do navio (que, por fim, teve que ser demolido ali mesmo, aumentando ainda mais a contaminação do mar), um dos rebocadores que participava da operação colidiu com uma barcaça, causando a morte de três tripulantes e o desaparecimento de um quarto.

Foi uma tragédia dentro da outra.

Ao final do processo, os responsáveis pelo Wakashio foram julgados e condenados pela justiça das Ilhas Mauricio a 16 meses de prisão: o comandante, por ter bebido e não percebido que o navio saíra completamente do rumo; e o segundo oficial, que conduzia o navio no instante do acidente, que admitiu não ter consultado o ecobatímetro (aparelho que mede a profundidade, o que indicaria o avanço do navio na direção das rasas águas no entorno da ilha), nem se oposto à não presença do vigia na ponte de comando, como manda o regulamento marítimo.

Por fim, o inquérito concluiu que “houve falta de vigilância do segundo oficial” e “negligência e excesso de confiança do capitão no seu subordinado”.

E tudo porque, enquanto o navio avançava implacavelmente em direção da ilha, o encarregado de conduzir o navio estava distraído, falando ao celular.

Gostou desta história?

Ela faz parte do novo livro HISTÓRIAS DO MAR – VOLUME 3 – 100 CASOS VERÍDICOS DE FAÇANHAS, DRAMAS, AVENTURAS E ODISSEIAS NOS OCEANOS, que pode ser comprado (com exemplar autografado pelo autor e ENVIO GRÁTIS), CLICANDO AQUI

Clique aqui para ler outras histórias

VEJA O QUE ESTÃO DIZENDO SOBRE OS LIVROS HISTÓRIAS DO MAR


Sensacional! Difícil parar de ler”.
Amyr Klink, navegador

“Leitura rápida, que prende o leitor”.
Manoel Júnior, leitor


“Um achado! Devorei numa só tacada”.
Rondon de Castro, leitor

“Leiam. É muito bom!” 
André Cavallari, leitor