Até a criação do Canal do Panamá, em 1914, os barcos americanos que quisessem ir de uma costa a outra do seu próprio país tinham que contornar toda a América do Sul, até o extremo sul do continente, numa travessia tão longa quanto perigosa.

Esta situação só começou a mudar em 1855, quando uma ferrovia foi construída no istmo panamenho, ligando, por meio de trilhos, o Atlântico ao Pacífico.

Com isso, as viagens pelo mar entre as costas Leste e Oeste dos Estados Unidos passaram a ser feitas em duas etapas, uma em cada oceano, em diferentes barcos, com uma baldeação ferroviária entre eles.

Vários navios, quase todos a vapor, se dedicaram a esta dupla jornada.

Um deles foi o SS Pacific.

Embora já tivesse afundado no passado, fruto de um pequeno acidente, e logo recuperado, o SS Pacific era considerado um dos melhores barcos do gênero, e operava no lado do Pacífico, fazendo, a princípio, a rota convencional entre a cidade de São Francisco, na Califórnia, e o Panamá.

Mas quando os gritos de “ouro!” passaram a ecoar nas geladas terras do norte do Canadá e Alasca, o SS Pacific tomou outro rumo e passou a levar garimpeiros bem mais acima no mapa – para, depois, trazê-los de volta, repletos de pepitas de ouro na bagagem.

E foi numa dessas viagens de volta que aconteceu a tragédia.

Na noite de 4 novembro de 1875, quando navegava em um trecho particularmente perigoso da costa do estado de Washington, durante mais uma viagem entre ilha Victoria, no Canadá, e São Francisco, na Califórnia, a imprudência do comandante do SS Pacific, que avançava sem luzes de direção (uma verde, outra vermelha, em lados diferentes do casco, como forma de indicar às outras embarcações o sentido da sua navegação), e com parte dos botes salva-vidas cheios de água, a fim de melhorar a estabilidade do casco (o que impediu que eles fossem usados para evacuar os passageiros no instante do naufrágio), e a indiferença do capitão da outra embarcação, o veleiro Orpheus, que não desviou, causou a colisão das duas embarcações.

Mas o choque foi tão leve que, aparentemente, nenhum dos dois barcos sofrera maiores danos.

Com isso, o comandante do Orpheus nem parou para averiguar e seguiu viagem, na escuridão da noite.

O SS Pacific também fez o mesmo, depois do seu comandante inspecionar superficialmente o casco de madeira e concluir que estava tudo bem.

Mas não estava.

O alerta de que algo bem mais sério havia ocorrido com o SS Pacific só veio quando um dos passageiros detectou água entrando na sua cabine, que ficava abaixo da linha d´água do casco.

E já era tarde demais.

Em menos de 20 minutos, o SS Pacific inundou por completo e, com o peso da água, partiu-se em dois, ficando uma parte completamente separada da outra.

Aterrorizados, os passageiros começaram a se atirar na água gelada, enquanto os poucos botes salva-vidas que não estavam cheios de água e puderam ser baixados, logo foram virados pelos desesperados.

No final, a macabra contabilidade do SS Pacific somou apenas dois sobreviventes entre os estimados 325 ocupantes do vapor naquela noite – talvez mais, porque, naquela época, crianças não eram computadas, já que não pagavam passagem, e passageiros clandestinos era algo habitual em navios maiores.

Para analisar o naufrágio, um inquérito foi instaurado e a conclusão, a despeito das falhas gravíssimas do comandante do SS Pacific, foi a de que o responsável pela tragédia havia sido o capitão do Orpheus, que além de colidir com o vapor, abandonara o local sem oferecer ajuda.

Também foi levantada a suspeita de que ele estaria bêbado no instante do acidente e que teria se aproximado do SS Pacific deliberadamente, a fim de pedir informações sobre a região, pois tampouco sabia exatamente onde estava.

Esta teoria foi reforçada pelo fato de que, horas depois da colisão com o SS Pacific, mas ainda na mesma região, o Orpheus encalhou (e, em seguida, afundou, felizmente sem nenhuma vítima), ao confundir as luzes de um farol como sendo as de outro local.

Outra teoria pregou que o capitão do veleiro afundara o próprio barco de propósito, a fim de encobrir eventuais provas de que teria sido o causador da colisão com o SS Pacific.

Mas o comandante do Orpheus sempre negou tudo e alegou que não prestou socorro às vítimas porque não havia indícios de que aquele leve choque pudesse trazer maiores consequências aos barcos envolvidos – razão pela qual seguira em frente.

Também disse que ventava muito na hora do acidente, o que dificultaria parar totalmente o seu barco, e que, por causa do próprio vento, não havia escutado os apitos desesperados posteriormente emitidos pelo SS Pacific.

Mas de nada adiantou.

Apesar da evidente negligência do capitão do vapor, cuja tripulação também era inexperiente e mal treinada, o único condenado (até porque o outro comandante morreu no acidente) foi o responsável pelo veleiro Orpheus.

Ele terminou os seus dias mal-falado por toda a comunidade marítima americana, por ter cometido o mais imperdoável crime de um homem do mar: a omissão de socorro.

Mas, ainda assim, em situação infinitamente melhor do que a das mais de 300 vítimas fatais do SS Pacific.

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