# Anteriormente chamado Foch, o ex-porta-aviões São Paulo foi comprado, usado, da França, em 2000, para substituir o lendário Minas Gerais, primeiro navio-aeródromo que o Brasil teve. Mas sua vida útil na corporação foi tão curta quanto problemática.
# Em 2017, após uma série de problemas – e de navegar apenas pouco mais de 200 dias, em 17 anos de atividade – foi desativado, porque sua reforma fora orçada em mais de R$ 1 bilhão. Em seguida, seu casco foi colocado à venda, para ser transformado em sucata, através de leilão.
# Por R$ 10,5 milhões (valor bem abaixo do que valia, segundo especialistas), a empresa turca Sok Denizcilikve Tic arrematou o casco e deu início aos preparativos para levá-lo para desmanche, em um estaleiro na Turquia.
# Durante o processo de venda, um pequeno grupo de aficionados pelo porta-aviões criou um instituto para tentar preservar o navio e impedir o seu desmanche. Mas, sem recursos, nada conseguiram.
# Concretizada a venda, a empresa compradora encomendou um inventário (obrigatório) do material que havia a bordo do velho porta-aviões. Mas só vistoriou 12% do navio, e informou 9,6 toneladas de amianto – 80 vezes menos do que havia em um porta-aviões idêntico ao São Paulo, quando ele foi desmanchado. Mesmo assim, o documento foi aceito pelas autoridades brasileiras e o Ibama expediu autorização de exportação do casco.
# No dia 4 de agosto do ano passado, um rebocador holandês, contratado pelo comprador do casco ao custo diário de cerca de US$ 40 000, partiu do Rio de Janeiro levando o ex-porta-aviões para a lenta travessia do Atlântico, até a Turquia.
# No mesmo dia, uma liminar expedida pela Justiça do Rio de Janeiro, a pedido de um grupo de opositores à venda do porta-aviões naquelas condições (valor questionável, falta de vistoria ambiental completa, desejo de transformá-lo em museu, etc), ordenou que o casco fosse trazido de volta ao porto, “para verificações”. Mas o comboio ignorou a ordem judicial e seguiu em frente.
# Acionada, a Marinha do Brasil nada fez para deter o comboio. E, quando se manifestou, foi para informar que ele “já havia saído do mar territorial brasileiro”, o que poderia ter sido evitado. Sem alçada em águas internacionais, a Justiça brasileira cancelou a liminar.
# Enquanto o comboio cruzava o Atlântico, o mesmo grupo que tentou impedir que o navio partisse, acionou os países por onde ele passaria, informando sobre a quantidade “não sabida” de amianto – material cujo transporte é proibido – que havia a bordo do velho casco.
# Pressionado por ambientalistas, a Turquia proibiu a entrada do comboio no país, quando ele já havia chegado do outro lado do Atlântico, um mês depois. Em seguida, o governo Gibraltar, por onde ele passaria, fez o mesmo. Começava ali a segunda parte do festival de absurdos que se transformou a venda do ex-porta-aviões brasileiro.
# Também pressionado, o Ibama voltou atrás e suspendeu a autorização de exportação que havia dado. Sem alternativa, o comboio teve que retornar ao Brasil – um fato inédito na história da navegação brasileira. Mas levou dias para acatar a ordem, desafiando as autoridades.
# Um mês depois (após uma epopeia de 14 000 km sendo puxado no mar), o casco do porta-aviões retornou ao Rio de Janeiro. Mas nem chegou a atracar. Por ordem da Marinha, foi mandado para o porto de Suape, em Pernambuco, a mais de 1 500 km de distância, para fazer vistorias previstas na lei, para embarcações que passaram muito tempo no mar.
# 15 dias depois, no início de outubro do ano passado, o comboio chegou a Suape, mas também não pode parar no porto, nem para fazer a vistoria, nem para retirar o amianto, única condição para ser aceito na Turquia. Atendendo a um pedido da Secretaria do Meio Ambiente do estado, a Justiça de Pernambuco proibiu a atracação, por temer a quantidade de material tóxico existente a bordo.
# Na chegada, o comboio recebeu ordens de ficar a cerca de 25 km da costa, navegando em círculos, já que o ex-porta-aviões não possui mais âncoras. E ali ficou até ontem, mais de três meses depois – e mais de cinco após ter começado sua saga, ao partir, rebocado, do Rio de Janeiro, em 4 de agosto do ano passado.
# 15 dias atrás, alegando que a parada do navio é responsabilidade das autoridades brasileiras, e prejuízos já acumulados de US$ 10 milhões (mesmo valor que pagou pelo porta-aviões), a empresa turca anunciou a “renúncia ao casco”, devolvendo-o a Marinha do Brasil. Que, no entanto, ignorou a decisão unilateral da empresa. “A venda foi feita”, disse a entidade.
# No final da semana retrasada, a Marinha do Brasil ordenou que o comboio fosse deslocado para bem longe da costa brasileira, por “risco de dano ambiental e comprometimento da navegação” no local onde estava, e enviou dois navios para escoltá-lo.
# Horas depois, no entanto, emitiu um comunicado, informando que estava “assumindo” a operação de reboque do ex-porta-aviões, liberando da função o rebocador holandês que havia sido contratado pela empresa que comprara o navio.
# Mas informou, também, que a responsabilidade pelo ex-porta-aviões seguiria sendo do comprador e que não permitiria mais que ele se aproxime da costa brasileira.
# Desde então, o comboio passou a navegar a 170 milhas da costa, rumo a um ponto específico do mar, dentro da Zona Econômica Exclusiva brasileira (que determina que o Brasil é responsável pelo meio ambiente marinho da área), onde o ex-porta-aviões deve ser afundado na madrugada desta quarta-feira, a despeito dos materiais tóxicos que sabidamente existem a bordo – um crime ambiental promovido pelo próprio órgão que deveria cuidar do mar brasileiro.
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