A previsão do tempo nem sempre acerta. Sobretudo décadas atrás, quando não havia tantos recursos tecnológicos. Um dos exemplos mais dramáticos disso aconteceu em dezembro de 1998, durante a regata Sydney-Hobart, na Austrália, uma das competições de barcos à vela mais famosas do mundo.

Quando os 115 veleiros inscritos para aquela competição partiram da bonita baía australiana para um percurso de 630 milhas até a capital da vizinha Tasmânia, o sol brilhava forte, os ventos eram tranquilos e a meteorologia previa nada além do habitual para a travessia do Estreito de Bass, que separa as duas ilhas — onde sempre costuma ventar forte e bastante.

“Ali, as rajadas podem chegar a 50 nós”, anunciou, quase burocraticamente, o organizador da regata, aos participantes.

Mas, três dias depois, quando os primeiros barcos começaram a chegar a Hobart, semidestruídos e com tripulações esgotadas, os números daquela triste regata eram bem mais aterrorizantes: 71 barcos haviam abandonado a prova ou sido abandonados pelos seus tripulantes, cinco afundaram, a Guarda Costeira australiana recebeu mais de 80 pedidos de socorro e fez 55 tenebrosas operações de resgates, com barcos e helicópteros, na maior ação do gênero da história do país.

Mas o pior de tudo é que seis velejadores estavam mortos.

A culpa foi da meteorologia, que não previu que os ventos de 50 nós anunciados na partida virariam mais de 80 (ou quase 150 km/h) ao longo da travessia do Estreito.

Nenhuma tripulação estava preparada para tamanha intensidade de vento.

O resultado foi uma das regatas mais trágicas da História.

Soprava um vento moderado, entre 13 e 20 nós, quando os barcos partiram de Sydney, na manhã de sábado, 26 de dezembro, logo após o Natal, como manda a tradição da prova.

Mas, no dia seguinte, domingo, apenas 24 horas depois, as tripulações dos dois barcos líderes da prova, o Brindabella e o gigantesco Sayonara, do milionário americano Larry Ellison, já reportavam, pelo rádio, ventos crescentes e mar bem grosso pela frente.

E a situação seguiu piorando, rapidamente.

Logo, toda a flotillha estava lutando contra ondas de até 15 metros de altura, que faziam com que os barcos fossem atirados de uma para a outra, feito rolhas, gerando um cenário de terror para os tripulantes.

Avariados, nove veleiros abandonaram a regata ainda no primeiro dia, e outros comandantes já tencionavam fazer o mesmo quando começou o pior: os acidentes e as mortes.

Um dos barcos, o Stand Aside, foi tombado por uma onda e perdeu o maestro, que desabou sobre a tripulação, deixando três feridos a bordo.

Um deles teve parte dos dedos decepados pelos cabos de aço do mastro e outra tripulante ficou presa na mastreação avariada, dentro d´água.

Milagrosamente, foi resgata pelos próprios companheiros, em meio aquele quase maremoto.

Instantes depois, uma onda enorme atingiu o veleiro Winston Churchill, que inclinou 45 graus e foi arremessado de encontro a outra vaga, que completou a tragédia, inundando e afundando o barco.

A tripulação só teve tempo de disparar um pedido de socorro e pular para as balsas salva-vidas.

Mas nem todos escaparam.

Três tripulantes que estavam agarrados a uma das balsas, tentando subir de volta ao veleiro, foram tragados por outra onda, no começo daquela noite — uma longa noite de seguidas tragédias.

E logo veio outra perda trágica: a do velejador olímpico inglês Glyn Charles, que não era nenhum principiante no esporte.

Mesmo estando atado ao barco por um cinto de segurança, ele foi varrido do convés do veleiro Sword of Orion por uma muralha d´água e também desapareceu no turbilhão de água salgada que se tornou o mar do Estreito de Torres naquela noite.

Seu corpo jamais foi encontrado.

Enquanto tudo isso acontecia, os atônitos organizadores da regata se limitavam a retransmitir dezenas de pedidos de socorro à Guarda Costeira australiana.

Esta, por sua vez, mobilizou todos os seus barcos e helicópteros para tentar tirar o máximo possível de velejadores do meio do oceano.

Às 22 horas de domingo, as rajadas chegaram a insuportáveis 80 nós e outra meia dúzia de barcos foi abandonada no mar.

Outros tantos buscaram abrigo numa ilha próxima e por ali ficaram.

Mas o cenário de horror continuava.

Outro veleiro, o Business Post Naiad, capotou duas vezes, perdeu o mastro e dois tripulantes: um afogado e o próprio comandante, de ataque cardíaco, causado pelo estresse e esforço em tentar manter o barco flutuando.

O mais incrível, contudo, foi que a regata prosseguiu, ainda que, lá na frente, os ponteiros avançassem tentando apenas escapar o mais rápido possível daquele inferno.

Vencer não importava mais. O que contava era sobreviver.

E a melhor maneira de fazer isso era chegar logo a um porto seguro.

Só na terça-feira, três dias depois da partida em Sydney, o primeiro barco chegou a Hobart.

Era o Sayonara, do milionário Elisson, que estava a bordo e nem de longe comemorou a vitória.

“Não estávamos competindo”, disse, chocado, ao desembarcar. “Estávamos apenas tentando sair vivos”.

No final, apenas 44 barcos completaram a competição, que teve um trágico saldo de mortes, mas deixou um legado: a previsão do tempo nunca mais foi a mesma na Austrália, depois daquela pavorosa regata Sydney-Hobart.

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FOTO: ROLEX SYDNEY HOBART