Quase seis meses atrás, no dia 4 de agosto de 2022, um rebocador holandês de grande porte partiu do porto do Rio de Janeiro levando a reboque aquele que já foi o maior navio militar brasileiro: o ex-porta-aviões São Paulo, que estava parado havia cinco anos.

Destino: um estaleiro em Aliaga, na Turquia, onde o grande navio, de 266 metros de comprimento, seria desmontado e transformado em sucata, após ter sido comprado pela empresa turca Sok Denizcilikve Tic, através de um leilão promovido pela Marinha do Brasil.

Teria sido o fim de uma novela que se arrastava há anos, desde que a reforma do velho porta-aviões, orçada em cerca de R$ 1 bilhão, fora considerada inviável e substituída pelo leilão.

Mas não.

Desde então, uma sucessão de absurdos (a começar pelo fato de que ele foi e voltou à Europa, a reboque, à toa) transformou o destino do ex-porta-aviões brasileiro em um típico pastelão.

A decisão de mandar o comboio dar meia volta e retornar ao Brasil, um mês depois de ter partido do Rio de Janeiro, quando as duas embarcações já estavam prestes a cruzar o Estreito de Gibraltar para chegar à Turquia, foi tomada depois que o governo turco, pressionado por ambientalistas, proibiu a entrada do porta-aviões brasileiro no país, por não se saber ao certo quanto de material tóxico poderia haver dentro do navio – embora um inventário feito ainda no Brasil tivesse atestado a presença de 9,6 toneladas de amianto a bordo, material cancerígeno mundialmente condenado.

Contudo, desde o princípio, especialistas contestavam essa quantidade de amianto atestada no navio, alegando que seria muito mais, uma vez que uma embarcação idêntica, o porta-aviões francês Clemenceau, desmanchado em 2009, continha nada menos que 650 toneladas desse material nas suas tubulações.

A empresa contratada para fazer o levantamento se defendeu dizendo que a inspeção fora feita por “amostragem”, e que, efetivamente, só vistoriou 12% do navio, o que foi aceito pelas autoridades.

Como se não bastasse isso, há suspeitas de que o interior do porta-aviões também possa conter outras substâncias tóxicas, além de componentes radioativos, o que só agravaria o problema, deixando ainda mais clara a negligência no inventário que foi feito do navio, antes da sua partida do país.

Surpreendido com a decisão turca, o Ibama, que havia autorizado a exportação da embarcação, mandou que ela fosse trazida de volta ao Brasil, embora o comboio já estivesse do outro lado do oceano – um fato inédito na história da navegação brasileira.

Começava ali a segunda parte do festival de absurdos no qual se transformou a venda do porta-aviões brasileiro para desmanche na Turquia.

E não parou por aí.

Como estava proibido de seguir em frente, já que havia deixado o Brasil sem a devida inspeção, não restou alternativa ao rebocador a não ser dar meia volta e cruzar novamente o Atlântico, no sentido oposto, arrastando aquele inerte porta-aviões, que fora vendido sem os motores nem condições de navegar por conta própria – uma epopeia de cerca de 7 000 quilômetros para ir, e outro tanto desses para voltar.

No total, entre ida e volta, o massivo comboio passou dois meses índo e voltando no Atlântico, ao custo estimado de 30 000 dólares, ou cerca de R$ 160 000, por dia de navegação – uma despesa de cerca de quase R$ 10 milhões, mesmo valor que a empresa turca Sok Denizcilikve Tic pagou pelo porta-aviões no leilão, o que, no entanto, para alguns especialistas, teria sido a primeira irregularidade deste caso, já que o navio valeria bem mais que isso.

Mas o festival de irregularidades no caso do transporte do porta-aviões começou logo após a partida do comboio do Rio de Janeiro, no início de agosto.

Naquele mesmo dia, uma liminar da justiça brasileira, expedida em favor de um pedido impetrado pelo advogado Alex Christo Bahov, que representa a empresa Cormack, ex-parceira da Sok Denizcilikve Tic no Brasil (mas que rompeu relações com os turcos logo após o leilão, por divergências comerciais), determinou que o porta-aviões fosse trazido de volta ao porto, “até que o Ministério Público se manifestasse sobre a presença de substâncias perigosas a bordo, e eventuais malefícios que isso pudesse ter trazido aos operários que participaram da preparação do navio para a sua última viagem”.

A ordem, no entanto, foi ignorada pelos responsáveis pelo comboio, e, mais tarde, revogada pela própria justiça, mediante a alegação da Marinha do Brasil de que o porta-aviões já estava fora dos limites do mar territorial brasileiro quando a liminar foi expedida, o que foi veemente contestado pelo impetrante do pedido.

Só um mês depois, quando o governo da Turquia barrou a entrada do comboio no país – e o Ibama cancelou a autorização de exportação do navio –, é que aquela primeira ordem de retorno começou a surtir efeito.

Mesmo assim, não totalmente.

Antes que o velho porta-aviões, temporariamente salvo do desmanche, voltasse a tocar o solo brasileiro, houve um novo capítulo na inacreditável saga daquela jornada: a proibição de om comboio retornar ao mesmo porto de onde ele partira, o do Rio de Janeiro – e por ordem da própria Marinha do Brasil, que vendera o navio aos turcos e o entregara sem a devida averiguação e documentação.

Quando o lento comboio já estava quase chegando de volta à cidade, uma ordem do órgão máximo da navegação brasileira determinou que ele desse novamente meia volta, e subisse, uma vez mais, a costa brasileira, até o porto de Suape, no litoral de Pernambuco, distante mais de 1 500 quilômetros.

O motivo era uma vistoria, que, conforme determina as leis da navegação marítima, precisava ser feita no navio, após tanto tempo sendo rebocado no mar.

No entanto, não foi explicado por que isso não poderia ser feito no Rio de Janeiro.

Contudo, uma semana depois, ao chegar ao porto indicado, o comboio também não pode atracar.

Por recomendação da Agência Estadual de Meio Ambiente de Pernambuco – CPRH, que temia a contaminação da região pelo que poderia haver no interior do navio moribundo, a administração de Suape não deu autorização para que o porta-aviões entrar no porto, a fim de ser vistoriado.

Em vez disso, determinou que o comboio ficasse parado a 12 milhas da costa, aguardando que a vistoria fosse feita lá mesmo, o que só aconteceu dez dias depois.

Nela, ficou constatado que a flutuabilidade do navio não fora comprometida pela longa – e inútil – jornada de ida e volta no Atlântico, mas foi recomendado que o ex-porta-aviões fosse colocado em dique seco, para melhor averiguação da integridade do seu casco, o que obviamente implicaria em atracá-lo em algum porto.

Mas, por decisão da Justiça, que atendeu a um pedido do órgão de meio ambiente de Pernambuco, o porto de Suape não quis recebê-lo.

E, durante mais de três meses, o patético comboio, formado pelo rebocador e o ex-porta-aviões, ficou zanzando no mar, diante do porto pernambucano, sem poder atracar.

Até que, esta semana, a Marinha emitiu uma ordem para que o comboio se afastasse da costa, por temer risco de naufrágio do velho navio, e escoltou o comboio para o alto-mar.

Mas a empresa dona do rebocador, que havia sido contratada pelo comprador do navio – e que reclamava não estar mais recebendo pelo serviço -, se recusou a continuar arrastando o porta-aviões no mar e decidiu partir, deixando para a Marinha do Brasil a função de rebocar o porta-aviões dali em diante, o que passou a ser feito por um navio da corporação.

A novela do ex-porta-aviões brasileiro que não tem onde parar ainda não terminou.

E os próximos capítulos podem ser ainda mais surpreendentes.

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