No final do ano passado, um experiente velejador sul-africano, de passagem pela costa do Rio Grande do Norte, decidiu fazer uma escala para repor suprimentos no Iate Clube de Natal e descansar um pouco.

Ao chegar lá, encontrou, ancorado diante do clube, um barco que lhe chamou a atenção: um bonito veleiro da marca Hansen, que ele conhecia bem: o Mischief, que pertencia a uma empresa de aluguel de barcos na distante Croácia.

Só que o veleiro estava com outro nome (Albina) e outra bandeira (da Rússia).

Intrigado, o velejador entrou em contato com a empresa dona do veleiro e revelou o achado.

Foi quando os donos do barco finalmente ficaram sabendo do paradeiro daquele veleiro, avaliado em cerca de 600 mil euros, que havia sido furtado mais de um ano antes, no distante litoral da Croácia.

Toda aquela história havia começado em julho de 2022, quando o veleiro Mischief (“Travessura”, em português) partiu do porto de Kastela, no litoral croata, para um suposto cruzeiro de uma semana pela região, alugado por um comandante da Letônia, que estava acompanhado de um marinheiro russo, que usava um passaporte português.

De Kastela, os dois seguiram para a turística ilha de Korcula, onde o veleiro ficou parado por uma semana.

Até que, com a chegada à Korcula de uma brasileira acompanhada de um casal também da Letônia (a incidência de cidadãos de países da antiga União Soviética, como Lituânia, Letônia e a própria Rússia nesta caso não era mera coincidência), o veleiro foi levado embora, para um destino incerto.

Antes disso, porém, o tal capitão letão que havia alugado o veleiro em seu nome (mas, segundo ele, como simples comandante contratado para aquele cruzeiro de uma semana com alguns “clientes”), dava queixa de “roubo do barco”, como subterfúgio para se eximir do envolvimento direto no desaparecimento do veleiro.

O que aconteceu em seguida, não se sabe em detalhes até hoje.

Mas é certo que o barco passou um tempo escondido em algum canto do mar Mediterrâneo, muito possivelmente no litoral da Tunísia, sendo adulterado, antes de reaparecer com outro nome no casco (“Albina”), outro documento igualmente falso até no modelo original do barco (que era um veleiro Hansen 588, mas constava como sendo um modelo 575), e outra nacionalidade (a russa), em uma marina da cidade de Smir, no Marrocos.

De lá, após uma curta estada, o veleiro cruzou o Atlântico rumo ao Brasil, mas já com outra tripulação: um capitão russo, acompanhado apenas por um tripulante da Lituânia.

O destino registrado foi o Rio de Janeiro.

Mas o veleiro não seguiu para lá.

Na altura do litoral de Pernambuco, o barco estancou, a fim de cumprir a função pela qual havia sido roubado: receber um carregamento de mais de 3,5 toneladas de cocaína, que seria levado do Brasil para a Europa.

A operação só não deu certo porque, na véspera, a Marinha do Brasil interceptara na região um barco de apoio carregado com 3,6 toneladas de cocaína, que seria transbordada para o veleiro.

Os dois tripulantes trataram de fugir, e esconderam o veleiro no Iate Clube de Natal.

Em seguida, foram embora do país, deixando o barco sob os cuidados de uma terceira integrante da quadrilha, uma jovem mulher da Letônia, que chegara pouco antes ao Brasil.

A princípio, a polícia brasileira chegou a cogitar a possibilidade de que tudo não passava de um simples caso de furto de um barco valioso, orquestrado por uma quadrilha especializada nesse tipo de crime.

Ou que o barco poderia ter sido usado apenas para trazer algo ilegal para o Brasil, e aqui descarregado o seu conteúdo, antes de ser levado para o iate clube potiguar.

Mas logo ficou claro que o motivo era outro: o tráfico internacional de drogas, do Brasil para o exterior.

Acionada pela empresa proprietária do barco – que ficara sabendo do paradeiro do veleiro através daquele improvável velejador sul-africano –, a polícia brasileira encontrou no interior da embarcação, além do manual do modelo original com as três primeiras páginas arrancadas – justamente as que continham o nome do proprietário, outro claro indício de que fora furtado –, a tal mulher letã, que fora incumbida de cuidar do barco.

Dentro do  veleiro, a polícia também achou, escondido, um telefone celular com farta comunicação em russo, que passou a ser decifrado, a fim de tentar entender como funcionaria aquela que poderia ter sido uma das maiores operações de tráfico de cocaína do Brasil para a Europa.

E que só não foi levada a contento porque outro barco foi apreendido pouco antes de transferir a droga para o veleiro surrupiado, e pelo improvável fato de que, mais tarde, aquele veleiro croata seria identificado por um velejador sul-africano de passagem pela capital do Rio Grande do Norte.

Uma dupla dose de sorte para a polícia e os donos do barco, e de azar para os traficantes.

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