Em 1963, um circo americano resolveu expandir seus negócios e comprou um velho navio cargueiro, o Fleurus, já com quase 40 anos de uso.

O objetivo era levar o circo inteiro a bordo do precário navio (inclusive os animais que faziam parte dos espetáculos), acabando assim com os complicados transportes terrestres, e fazendo apresentações de porto em porto.

Foi o primeiro navio-circense que se tem notícia.

E teria sido uma boa ideia, não fosse o que aconteceu logo na sua viagem de estreia.

Naquele mesmo ano de 1963, apesar de seu péssimo estado de conservação, o Fleurus partiu do porto de Nova York com destino à cidade de Yarmouth, na costa Leste do Canadá, abarrotado de bichos.

Mais parecia uma Arca de Noé, tal a quantidade de elefantes, zebras, girafas, ursos, macacos, leões e outros animais, alguns em jaulas, outros soltos no próprio convés.

A viagem foi uma sucessão de problemas, por conta do mau estado do navio, que quebrou diversas vezes no caminho.

Quando o Fleurus finalmente chegou à pequena Yarmouth, foi recebido com festa pelos moradores e alívio pelos animais e tripulantes.

Mas toda aquela alegria durou pouco.

No dia seguinte, antes mesmo de o circo desembarcar, o navio começou a pegar fogo, por causa de um curto-circuito na casa de máquinas, quando já estava parado no porto.

Os bombeiros chegaram rapidamente e a tripulação escapou sem maiores riscos.

Mas o verdadeiro problema era outro: como livrar das chamas todos aqueles animais selvagens, e, ainda por cima, assustados com o fogo?

Graças à coragem dos bombeiros, jaulas foram sendo retiradas do navio com um guindaste, mas sob muita tensão, porque os bichos estavam enfurecidos.

Até que, em certo momento, uma das jaulas despencou do guindaste, abriu ao bater no chão, e um leão saiu correndo pelo porto, para pânico dos moradores da cidade, que, chocados, passaram a testemunhar aquele insólito espetáculo: um leão solto nas ruas do Canadá!

O animal foi logo recuperado pelo seu treinador, mas a população trancou-se em casa e armou-se com rifles, para o caso de outros bichos escaparem, já que o plano dos bombeiros era ir transferindo, aos poucos, os animais menos ferozes para as fazendas nos arredores da cidade.

Com isso, as ruas de Yarmouth viraram uma espécie de circo a céu aberto, com tigres na praça, orangotangos na porta da igreja e girafas diante das casas.

Três elefantes mais mansos, no entanto, foram embarcados em um caminhão, que o levaria para outro circo, em uma cidade vizinha.

E foi aí que começou a outra parte tragicômica daquela história.

No caminho, por conta da pressa do amedrontado motorista, que queria chegar logo ao destino e se livrar daquela incômoda carga, aconteceu um acidente, que matou dois elefantes, mas permitiu que o terceiro, uma fêmea, chamada Shirley, escapasse e invadisse as fazendas da região – agora, havia também um elefante africano solto em solo canadense!

Durante dias, os assustados fazendeiros de Yarmouth viram a elefanta glutona destruir boa parte das plantações, e, com a ajuda da Polícia, criaram uma força-tarefa para deter o paquiderme.

Até que, finalmente, Shirley foi capturada e levada de volta para a cidade.

Como o outro circo já havia partido – e o dela, queimado pelo incêndio, não existia mais -, a solução foi embarcar a elefanta em um vagão de trem e enviá-la de volta aos Estados Unidos, para um abrigo de animais no Tennessee – onde Shirley chegou semanas depois.

Ali, ela viveu ainda muitos anos mais, sob o jocoso título de “Mascote de Yarmouth”, cidade que nunca mais esqueceu o dia em que o Fleurus atracou no porto, anunciando que “o circo chegou!” e trazendo com ele uma enorme trapalhada.

Mas poderia ter sido muito pior.

Como aconteceu com o cargueiro americano Royal Tar, mais de um século antes.

Em 1836, quando navegava entre a província de New Brunswick, também no Canadá, e Maine, na costa leste americana, com uma carga que incluía diversos animais de circo, ele também começou a pegar fogo.

Só que o Royal Tar estava no mar, e não no porto, como o Fleurus.

Como o fogo não conseguia ser controlado, seu comandante ordenou que a tripulação abandonasse a embarcação.

Os tripulantes, então, puseram os dois botes salva-vidas que o navio tinha na água e embarcaram.

Mas um deles não foi além de míseros metros do navio em chamas.

Apavorado com o fogo, um elefante da tropa circense arrebentou a jaula onde estava, e, sem outra alternativa, saltou pela amurada do navio.

O desfecho não poderia ter sido mais dramático: animal caiu bem em cima de um dos botes.

Parte dos ocupantes do pequeno barco morreu na hora, vítima da improvável queda de um elefante sobre suas cabeças, em pleno oceano.

Nunca mais os marinheiros americanos duvidaram da velha máxima que diz que tudo é possível de acontecer no mar.

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Foto: FIREFIGHTERS MUSEUM OF NOVA SCOTIA COLLECTION