Vinte anos atrás, o mergulhador uruguaio Héctor Bado encontrou no fundo do Rio da Prata os destroços do couraçado alemão Graf Spee, afundado no início da Segunda Guerra Mundial pelo seu próprio comandante nos arredores do porto de Montevidéu, onde ele buscara abrigo ao ser cercado pelos inimigos ingleses.
Em seguida, financiado por dois empresários uruguaios, os irmãos Alfredo e Felipe Etchegaray, o mergulhador sacou dos destroços a parte mais emblemática daquele navio, que, de certa forma, passou a fazer parte da História do Uruguai: uma grande águia de bronze de quatro toneladas, com as asas abertas e a suástica nazista presa em suas garras, que decorava a proa do cruzador, na época o mais poderoso da Marinha Alemã.
Foi quando começou uma novela que, até hoje, 20 anos depois, ainda não terminou – e que virou uma dor de cabeça judicial e diplomática até para o governo uruguaio.
O que fazer com aquela águia – símbolo do poder nazista -, que desde então está guardada dentro de uma caixa de madeira em um depósito da Armada uruguaia?
Aparentemente, ninguém no governo sabe, embora os empresários que financiaram o resgate da icônica imagem não tenham dúvidas sobre o que deve ser feito com a emblemática águia:
“O governo uruguaio tem que honrar o contrato que assinou conosco, enviar ou vender a peça para uma entidade cultural e nos pagar metade do que ela vale”, diz Alfredo Etchegaray, um conhecido relações públicas e milionário uruguaio, que diz ter investido uma pequena fortuna para retirar o objeto intacto do fundo do rio.
“O melhor destino para a imagem seria ir para um museu aqui mesmo, em Montevidéu, já que a Alemanha sempre pressionou o governo uruguaio para que a águia não saísse do Uruguai, porque é um tema que incomoda aos alemães até hoje”, diz Etchegaray, que acrescenta: “Mas também não me agrada a ideia que ela seja vendida para um colecionador qualquer, porque, em mãos erradas, poderia servir de objeto de culto para grupos neonazistas”, diz.
E quanto vale a águia de bronze do Graf Spee?
“Difícil dizer, porque é um objeto histórico. Mas estimo uns 60 milhões de dólares”, diz Etchegaray, que sempre foi contestado, tanto no direito que alega ter sobre 50% do valor da peça, quanto no que diz que ela vale, pelo governo uruguaio, que, no entanto, não sabe o que fazer com a batata quente que tem nas mãos.
O problema é que, desde que a águia foi içada do fundo do rio, o governo uruguaio, que pela lei tem direito a tudo o que há submerso nas águas territoriais do país, vem sendo pressionado tanto por Etchegaray, que quer receber o que diz ter direito por contrato, quanto pela Alemanha, que gostaria que o assunto fosse esquecido, e até pela comunidade judaica, dividida em duas vertentes contrárias.
Enquanto uma parte da comunidade judaica uruguaia quer que a águia vá para um museu adequado (Etchegaray diz já ter recebido propostas tanto do Museu do Holocausto de Washington quanto de Israel, mas não cabe a ele negociar, e sim ao governo uruguaio), outra preferiria que ela fosse simplesmente destruída, “como uma forma simbólica de deixar os horrores do nazismo no passado”, como defende o ex-presidente do Comitê Central Israelita, Ernesto Kreimerman.
“Nenhum símbolo do poder nazista foi conservado intacto”, defende Kreimerman. “Até o bunker de Berlin foi posto abaixo”, diz.
Mas Etchegaray e o próprio governo uruguaio são radicalmente contra essa medida extrema.
“A águia merece ter um destino acadêmico e cultural e a criação de um museu sobre o naufrágio do Graf Spee, em Montevidéu, financiado pela Alemanha, que quer que ela fique no nosso país, seria perfeito”, diz o empresário, antevendo aí a melhor forma de receber o dinheiro que diz ter a receber do governo.
O governo uruguaio, no entanto, alega que Etchegaray não cumpriu o contrato integralmente, porque retirou apenas as partes que lhe interessava do naufrágio e não promoveu a remoção de todos os escombros, que até hoje complicam a navegação nas imediações do porto de Montevidéu.
Anos atrás, porém, Etchegaray conseguiu uma vitória.
A Justiça uruguaia ordenou que o Ministério da Defesa, que tem a guarda da peça, promovesse a venda da águia do Graf Spee num prazo de 90 dias e pagasse a parte que ele tem direito (o mergulhador Héctor Bado, que achou o objeto, morreu dois anos atrás, sem nada receber por ele).
O governo, então, recorreu da sentença.
Mas, depois, às vésperas do fim do prazo dado pela Justiça para a venda do objeto, o governo uruguaio anunciou que “estava negociando com Etchegaray”, e que, de comum acordo entre as partes, o prazo havia sido suspenso, temporariamente.
E assim está até hoje, com uma pergunta que ninguém sabe a resposta: o que fazer com o objeto símbolo de um dos maiores navios nazistas da Segunda Guerra Mundial?
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