Em novembro de 1942, durante a Segunda Guerra Mundial, um submarino japonês atacou e afundou o navio inglês SS Tilawa, quando ele navegava a cerca de 1 500 quilômetros da costa da África, com 958 pessoas a bordo e uma carga igualmente valiosa: 60 toneladas de lingotes de prata, que estavam sendo transportados para a África do Sul.

No ano passado, 80 anos após o episódio que gerou a morte de 280 ocupantes do navio e o desaparecimento de 2 364 lingotes de prata no fundo do mar, o assunto voltou à tona, nos tribunais da Inglaterra.

Numa decisão que gerou indignação no governo da África do Sul, que sempre se considerou dono daquelas barras de prata, já que elas haviam sido encomendadas para a confecção de moedas do país, o tribunal do Almirantado Britânico, a quem cabe julgar casos que envolvam embarcações do Reino Unido ocorridos no mar, decidiu que não procede a alegação dos sul-africanos.

E deu ganho de causa ao inglês Ross Hyett, um caçador profissional de tesouros em naufrágios, dono da empresa Argentum Exploration, que encontrou os restos do SS Tilawa em 2014, de olho, justamente, na valiosa carga que ele transportava.

“A carga do navio tinha propósitos comerciais, portanto a alegação do governo Sul-Africano de que a prata pertence ao seu Estado não tem fundamento”, concluiu o juiz inglês, no seu despacho, que beneficiou diretamente o seu conterrâneo, Ross Hyett.

O inglês Hyett, de 67 anos, um ex-piloto de corridas de automóveis, que, ao se aposentar das pistas, passou a se dedicar à caça de tesouros perdidos no mar, comemorou a decisão.

Mas este caso está longe de ter terminado.

O SS Tilawa, que vinha de Bombai, na Índia, rumo ao porto de Mombasa, no Quênia, com escalas em Maputo, em Moçambique, e Durban, na África do Sul, onde a prata seria desembarcada, afundou na madrugada de 23 de novembro de 1942, após ser atingido por dois torpedos disparados pelo submarino japonês I-29, quando navegava nas proximidades das Ilhas Seychelles, ao final do seu quarto dia de travessia.

Entre um disparo e outro, houve um intervalo de cerca de 30 minutos, o bastante para a maioria da tripulação e dos passageiros, quase todos indianos que partiam para tentar a vida na África, embarcassem em botes salva-vidas e escapassem com vida do naufrágio – embora muitos deles tenham morrido depois, por afogamento, quando os botes começaram a afundar, pelo excesso de peso.

O socorro só veio dois dias depois, quando o cruzador inglês HMS Birmingham, que havia recebido o pedido de socorro do operador de rádio do SS Tilawa (que morreu justamente por causa disso, já que não conseguiu escapar a tempo do navio, antes do disparo do segundo torpedo), finalmente chegou ao local e começou a recolher os sobreviventes.

Já o SS Tilawa afundou feito uma pedra, em local não precisamente definido.

Com o passar do tempo, até o próprio governo sul-africano pareceu ter esquecido o acidente e a prata perdida no mar.

Até que, em 2014, após intensas pesquisas (e suspeitos contatos com informantes secretos), Hyett achou os restos do navio, mas não contou isso a ninguém.

Três anos depois, em 2017, após conseguir recursos através de sociedades com outras empresas do ramo, Hyett passou a retirar, secretamente, os lingotes de prata do navio afundado, atividade que consumiu cerca de seis meses.

Isso só foi possível porque o local do naufrágio ficava fora das águas territoriais dos países da costa leste africana, nas chamadas “Águas Internacionais”, o que, num primeiro momento, deu certa tranquilidade a Hyett, já que, mesmo se fosse descoberto, ele não estaria infringindo nenhuma lei.

Mas, por precaução, para evitar confiscos, toda a prata retirada do navio afundado passou a ficar estocada em caixas no próprio fundo do mar, à espera de serem içadas de uma só vez, pouco antes da partida de Hyett e sua equipe, de volta à Inglaterra – para onde todos os lingotes resgatados foram efetivamente levados.

Também por precaução, Hyett optou por fazer o caminho mais longo rumo à Inglaterra, contornando toda a África, em vez de usar o Canal de Suez, o que encurtaria barbaramente a viagem – mas o obrigaria a declarar sua carga sigilosa às autoridades portuárias.

No final de 2017, as 60 toneladas de prata retiradas do SS Tilawa chegaram ao porto de Southampton, na Inglaterra, tornando Hyett momentaneamente milionário – embora, como quase sempre acontece nos casos de grandes achados no fundo do mar, ele não tenha tornado pública a sua descoberta.

Mas o que Hyett não sabia era que, pouco antes disso, outra empresa de exploração de naufrágios, a americana Odyssey Marine Exploration, havia entrado em contato com o governo da África do Sul, propondo justamente encontrar o SS Tilawa e dividir o tesouro com os sul-africanos.

A proposta reavivou no governo da África do Sul a lembrança da prata perdida e atiçou o desejo de resgatá-la.

Só que Hyett já havia feito isso, meses antes, o que seria descoberto em seguida.

Como a prata resgatada (“roubada”, na opinião dos sul-africanos) já estava em solo inglês, só restou ao governo da África do Sul recorrer ao Tribunal do Almirantado Britânico, na esperança de que a ação de Hyett fosse julgada ilegal, o que, no entanto, não aconteceu.

Ao contrário, o tribunal reforçou a tese de que o explorador inglês tinha direitos sobre a prata encontrada, “porque, muito provavelmente, ela só fora lembrada pelo governo sul-africano quando houve a proposta da Odyssey”, como o juiz argumentou em seu despacho.

No entanto, a decisão não foi definitiva, o que, por enquanto, impede de se colocar um ponto final nesta história.

Isso porque, a empresa de Hyett, tal qual a maioria das que exploram naufrágios, é vista com ressalvas pelas autoridades, por conta dos meios questionáveis que o inglês costuma empregar para encontrar e resgatar conteúdos de navios naufragados – como contatos nebulosos, subornos e explorações sem as devidas autorizações.

Na mesma época do achado do SS Tilawa, Hyett, por meio de outra empresa na qual era sócio, esteve envolvido em outro polêmico resgate: o do galeão espanhol San Jose, encontrado anos atrás, na costa da Colômbia, onde afundou em 1708, com uma quantidade inédita de ouro, prata e pedras preciosas, hoje avaliadas em cerca de US$ 20 bilhões – caso que também ainda não teve uma solução.

No caso da prata já retirada do navio que se seguia para a África – e agora cobrada pelos sul-africanos -, Hyett não exclui a possibilidade de negociar com o governo da África do Sul, desde que seja um bom negócio para ele, claro.

Ou seja, o caso ainda deve render acaloradas discussões entre ingleses e sul-africanos, cada um defendendo o seu ponto de vista e interesses.

Não existe acordo fácil no nebuloso mundo dos caçadores de tesouros.

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