Era uma vez um náufrago que foi dar numa ilha deserta e ali ficou vivendo sozinho por muitos anos.

Esta história lhe parece familiar?

Pois deve ser mesmo, já que Robinson Crusoé, escrito por Daniel Defoe, no início do século XVIII, é um dos livros de aventura mais famosos de todos os tempos.

O que, no entanto, poucos sabem é que, embora Robinson Crusoé seja uma obra de ficção, sua história foi baseada num caso real: a sobrevivência, por alguns anos, do marinheiro escocês Alexander Selkirk (nascido Selcraig) numa ilha deserta na costa do Chile, pouco antes de Defoe ter dado vida ao seu famoso personagem.

Nem tudo foi exatamente igual na transcrição da vida real para a ficção, é verdade.

Enquanto a fictícia ilha de Crusoé ficava no Caribe, a de Selkirk era no Pacífico, a cerca de 500 quilômetros da costa chilena.

Se, no livro, o náufrago contou com a companhia de um nativo batizado de Sexta-Feira, o ermitão verdadeiro dividiu sua solidão apenas com gatos e cabras.

E, se nas páginas de Defoe, Crusoé foi parar na ilha por conta de um naufrágio, na vida real Selkirk tornou-se uma espécie de náufrago por opção, ao escolher o autoexílio na ilha, após decidir abandonar o barco no qual navegava, por temer pela segurança da nau — que, por fim, acabaria mesmo indo a pique.

Por outro lado, tanto Crusoé quanto Selkirk tiveram o mesmo sentimento em relação à vida que levavam na ilha.

Depois de terem sido resgatados e levados de volta à civilização, sentiram falta da sua ilha solitária e trataram de dar um jeito de voltar para lá.

Na ficção, Crusoé voltou.

Mas Selkirk morreu sem ter realizado o sonho.

E anônimo – apesar de sua façanha ter inspirado a criação do famoso livro e personagem.

Tudo começou em 1703, quando um jovem escocês chamado Alexander Selcraig conheceu, na Inglaterra, o capitão-corsário William Dampier, que estava preparando uma expedição com dois navios para atacar os espanhóis na costa oeste da América do Sul.

Selcraig, que havia brigado com a família, resolveu se alistar – mas com o sobrenome alterado para Selkirk, para não ser reconhecido.

Oito meses depois, a expedição alcançou o Cabo Horn, no extremo sul do continente sul-americano e, em seguida, chegou à então chamada ilha de Más a Tierra, onde os navios pararam para reabastecer de água e carne de cabra.

Más a Tierra (mais tarde rebatizada com o nome do seu descobridor, Juan Fernandes, e hoje renomeada Robinson Crusoé em homenagem ao seu mais famoso ocupante) era um conglomerado desabitado de montanhas verdejantes, com fartura de água doce e pequenos animais.

A frota passou dois dias ali e Selkirk adorou o lugar.

Até que velas inimigas surgiram no horizonte e eles tiveram que partir.

Mas a boa imagem da ilha ficou na sua mente.

Tempos depois, ele começou a ter pesadelos, nos quais sempre via o seu navio naufragar.

Impressionado, resolveu abandonar o barco na primeira oportunidade.

E lembrou-se de Más a Tierra, por onde Dampier passaria na volta.

Selkirk, que já tinha tido vários problemas de relacionamento a bordo (além da tal premonição de que a embarcação afundaria) decidiu que desembarcaria e ficaria lá.

E assim o fez.

O capitão não fez objeção a deixá-lo na ilha, apesar do risco de o escocês ser capturado pelos espanhóis, a quem pertenciam àquelas águas.

E como Selkirk não estava sendo punido nem deserdado, foi autorizado que desembarcasse com alguns pertences, como uma faca, uma arma e uma Bíblia.

Quando, porém, o bote o deixou na praia deserta e deu meia-volta, o marinheiro se arrependeu e gritou, dizendo que queria voltar ao navio, o que foi negado pelo capitão – que, no fundo, gostou da ideia de se livrar daquele encrenqueiro a bordo.

Desolado, Selkirk ficou sentado na praia, vendo o barco ir embora.

Era outubro de 1704 e começava ali o seu martírio de quatro anos à espera de algum navio que o tirasse daquela ilha deserta e solitária.

Durante os primeiros 18 meses, Selkirk morou na própria praia, na vã esperança de assim avistar mais facilmente algum barco.

Não apareceu nenhum e ele decidiu mudar-se para uma caverna, nas montanhas, onde começou, aos poucos, a retomar o gosto inicial pela ilha.

Ali, costurou roupas com a pele das cabras que caçava, aprendeu a fazer fogo friccionando gravetos, cozinhava lagostas e mariscos que apanhava em abundância na praia e passou a viver muito bem, apesar da solidão.

Para não perder contato com a voz humana, lia em voz alta trechos da Bíblia para os animais que domesticara – de certa forma, Selkirk transformara o seu infortúnio em um pequeno paraíso.

Quando terminou a munição de sua arma, aprendeu a caçar com as próprias mãos.

Com o tempo, tornou-se bem mais ágil do que os próprios animais.

Passou, também, a subir todos os dias até um mirante no topo da ilha, onde passava horas à procura de velas no horizonte.

Viu algumas, mas todas de navios inimigos espanhóis, que, prudentemente, decidiu evitar.

Até que, um dia, dois navios diferentes surgiram próximos à ilha.

Eram ingleses, como ele.

Selkirk acendeu uma fogueira para chamar a atenção dos barcos, mas os tripulantes acharam que eram sentinelas espanhóis avisando sobre a chegada do inimigo e quase abriram fogo contra a ilha.

Só na manhã seguinte, ao se aproximaram com cautela da ilha, eles deram de cara com um homem barbudo e coberto de peles, que mais parecia um bicho e gritava grunhidos de felicidade.

Para Selkirk era o fim da sua estadia solitária na ilha.

O marinheiro foi levado a bordo e ali reencontrou um velho conhecido: o mesmo capitão Dampier que o embarcara pela primeira vez – por coincidência, piloto de um dos navios.

Foi imediatamente reempossado como parte da tripulação, e logo nomeado capitão de um dos navios espanhóis capturados.

Através dos outros marinheiros, Selkirk ficou sabendo que sua premonição de quatro anos antes se confirmara: o navio no qual ele navegava quando optou pelo seu exílio, havia de fato naufragado, logo após deixá-lo na ilha.

Mas sua sorte maior ainda estava por vir.

Na costa mexicana, Selkirk capturou um galeão espanhol repleto de ouro, prata e preciosidades e isso o tornou rico.

E foi como um homem poderoso que ele retornou a Inglaterra, em outubro de 1711.

No entanto, apesar de toda a riqueza, Selkirk passou a levar uma vida reclusa e amargurada na sua volta à Escócia.

Não raro, saia de casa e ia dormir nas montanhas, sem sequer vestir roupas apropriadas – ele sentia saudades da sua ilha solitária…

Suportou isso por nove anos, até que decidiu alistar-se na Marinha e voltar para o mar.

Seu objetivo era retornar àquela ilha, o que, contudo, jamais conseguiu.

Em 1721, foi designado para uma viagem à costa da África, onde contraiu uma febre tropical e morreu a bordo, sem sequer saber que, meses antes, baseado no relato que ouvira de um dos tripulantes daquela primeira viagem de Selkirk, o escritor Daniel Defoe escrevera o que viria a ser um dos maiores clássicos da história: Robinson Crusoé, o náufrago que transformara sua ilha-presídio em paraíso.

E foi assim que Selkirk se tornou universalmente famoso – só que com outro nome.

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