Era apenas o terceiro dia de uma jornada prevista para durar semanas, no mar que circunda a Inglaterra, quando a velejadora inglesa Hilary Lister passou mal, perdeu a respiração e sua cabeça pendeu, inconsciente, sobre o cockpit adaptado do barco no qual ela navegava.

Imediatamente, sua equipe de apoio, que navegava ao lado, abordou o barco da velejadora e iniciou um procedimento médico de urgência, a fim de reanimá-la.

A ação levou intermináveis segundos, até que Hilary abriu os olhos, voltou a encher os pulmões de ar e sorriu, satisfeita.

Porque ela estava onde mais gostava de estar – no mar, navegando com um veleiro especialmente construído para a façanha que pretendia realizar: a volta completa da grande ilha da Grã-Bretanha, algo que incontáveis velejadores já haviam feito, mas nenhum da maneira como ela vinha fazendo.

Porque Hilary era tetraplégica e só conseguia mover a cabeça.

Todos os comandos do veleiro eram executados por meio de canudos, que ela assoprava ou sugava, de acordo com o movimento pretendido de leme e vela, o que exigia um esforço pulmonar intenso – daí aquela parada respiratória, causada pelo esforço em fazer o barco se movimentar.

Mesmo assim, Hilary fazia questão de navegar sozinha no barco, a despeito de suas severas limitações físicas.

Se precisasse se mover, ela não conseguiria.

Se o barco virasse e caísse no mar, certamente morreria.

Ainda assim, o máximo que a jovem inglesa, então com 37 anos de idade, permitia, era o acompanhamento de um barco de apoio, no qual seguiam médico e enfermeiro, prontos para qualquer emergência.

Em outras duas ocasiões durante aquela mesma jornada, Hilary perderia os sentidos e teria que ser reanimada.

Mas seguiu navegando, até que completou a sua circum-navegação das Ilhas Britânicas, em agosto de 2009, feito que a levou a ser premiada naquele ano como uma das quatro maiores velejadoras do mundo, pela Federação Internacional de Vela.

Na ocasião, Hilary assombrou o mundo.

Antes disso, porém, ela já havia feito outras travessias igualmente extraordinárias para alguém que não conseguia mover braços nem pernas, e navegava com o corpo inerte, estirado sobre o convés.

A primeira foi a travessia – também em solitário no barco – do Canal da Mancha, entre a Inglaterra e a França, em agosto de 2005, ocasião em que chegou a fixar um mapa na ponta dos pés, a fim de visualizar a rota.

Dois anos depois, ela voltou ao mar e contornou, da mesma forma, toda a Ilha de Wight, um dos ícones náuticos da Inglaterra – e tornou-se, também, a primeira pessoa com tamanho grau de deficiência física a fazer isso.

O objetivo de Hilary ao executar suas impressionantes travessias era duplo: provar que mesmo pessoas com deficiências físicas severas eram capazes de realizar grandes feitos, e se sentir feliz pela liberdade de movimentos que não tinha no seu dia-a-dia, sempre presa a uma cama ou cadeira de rodas.

“Comandar meu próprio barco me trouxe uma sensação de liberdade que nunca pensei que teria de volta”, disse Hilary, ao final de sua primeira improvável travessia. “Isso, literalmente, salvou minha vida”.

A vida de Hilary Lister começou a definhar ainda menina, por volta dos 11 anos de idade, quando suas pernas passaram a sofrer dormências e perda de firmeza.

Mais tarde, o mesmo aconteceu com suas mãos e braços, para perplexidade dos médicos, que não sabiam ao certo o que ela tinha.

Só aos 17 anos de idade, Hilary foi diagnosticada com uma doença degenerativa rara: a distrofia reflexa.

Dez anos depois, ela já não tinha mais nenhuma mobilidade do pescoço para baixo – só conseguia mover a cabeça, os olhos e a boca.

A limitação extrema a levou a pensar em suicídio.

Certa vez, decidiu que tomaria uma overdose de medicamentos, para pôr um fim naquele sofrimento.

Foi quando um amigo a levou, de cadeira de rodas, para velejar em um lago perto de sua casa.

Aquilo mudou sua vida.

A recuperação da capacidade de se locomover sem depender de ninguém fez Hilary se apaixonar pelos barcos, e ela não sossegou mais enquanto não conseguiu um que ela mesmo pudesse comandar, sozinha.

A solução veio quando um projetista canadense conseguiu adaptar para um pequeno veleiro, de 20 pés de comprimento, o mesmo sistema de movimentação através de sopros de ar que ela usava para se locomover em sua cadeira de rodas.

Através de variações nas pressões do ar dentro de tubos que Hilary operava com a boca, microprocessadores eletrônicos eram capazes de controlar a movimentação do barco.

Um tubo gerenciava o leme; outro, a posição da vela.

E assim, soprando e sugando o ar, ela conseguia navegar, sem depender de mais ninguém a bordo.

“Se você multiplicar por mil a sensação de liberdade que todo mundo sente por poder dar um passo na direção que quiser, vai saber como eu me sinto agora”, disse Hilary, ao testar o barco pela primeira vez.

Em seguida, ela deu início às suas travessias, ao mesmo tempo em que criou uma instituição, a Dream Trust (algo como “Confiança no Sonho”), dedicada a ajudar pessoas com deficiências físicas a realizar seus desejos.

“Com as ferramentas certas, até grandes aventuras são possíveis”, explicou Hilary ao criar a entidade e partir para a maior de suas façanhas, a circum-navegação da Grã-Bretanha – aquela em que quase morreu em três ocasiões, por perda da consciência causada pelo esforço de mover um barco à vela apenas com o ar dos próprios pulmões.

Sua última travessia foi em 2014, quando cruzou o Mar da Arábia a bordo de um veleiro convencional, mas já na companhia de outras pessoas.

Em seguida, por conta de uma infecção permanente causada pela própria doença, a saúde de Hilary começou a definhar, e ela morreu, quatro anos depois, aos 46 anos de idade.

Deixou, no entanto, uma lição perene de vida e perseverança, na busca pela liberdade de movimentos, mesmo quando o corpo conspira contra isso.

De certa forma, Hilary Lister venceu até a medicina.

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