A noite estava escura e sem lua na perigosa região dos baixios das Bahamas, naquele 4 de janeiro de 1656.

Tão carregada de nuvens, por conta de uma tempestade que se aproximava, que o capitão do galeão espanhol Nuestra Señora de las Maravillas, que liderava uma frota de 22 barcos que haviam partido de Havana três dias antes, abarrotada de ouro, prata e riquezas extraídas das minas da América do Sul e Central, sentiu-se no dever de alertar os comandantes das outras naus sobre os riscos da navegação naquelas águas tão rasas e traiçoeiras.

Disparou, então, um dos canhões, considerando que o seu estampido poderia ser ouvido a distância pelo resto da flotilha.

Mas os outros capitães não entenderam o sinal e aquele disparo armou uma enorme confusão.

Julgando que a primeira nau da flotilha estava sendo atacado por piratas, algo comum na região, e por isso dispara o canhão, as tripulações dos demais galeões entraram em pânico, executaram manobras desesperadas de fuga e começaram a disparar a esmo, contra um inimigo que não existia.

No tumulto que se seguiu, um dos navios acabou colidindo com o próprio Maravillas, que começou a inundar rapidamente.

Vendo que sua nau estava ferida de morte e que não aguentaria muito tempo, o capitão do galeão abalroado – o mesmo que, involuntariamente, causara tudo aquilo –, deu ordens para rumar exatamente para as mesmas águas rasas que ele tanto temia, quando deu aquele infeliz tiro de alerta.

O objetivo era fazer com que o galeão afundasse numa região de pouca profundidade, a fim de facilitar o resgate da fortuna que ele transportava, mais tarde.

Como era a nau capitânia da flotilha, o Maravillas levava, além de uma tripulação de 650 homens, o maior carregamento de ouro da esquadra.

E acabou sendo a única vítima do tumulto que ele próprio causara.

Nos baixios, já açoitado pelas ondas geradas pela tempestade que se aproximava, a embarcação durou pouco.

Logo tombou para um lado, para o outro e se partiu em dois.

A proa afundou rapidamente, levando junto muitos homens.

Mas a popa, justamente onde estava concentrada a maior parte da sua carga milionária, foi empurrada pelos ventos para bem longe, antes de também sucumbir no oceano.

Só que jamais se soube onde.

E é justamente nesta dúvida – onde estará a popa do Maravillas? – que reside o fascínio de um enigma que dura até hoje.

Ao amanhecer do dia seguinte da tragédia, apenas 45 dois 650 tripulantes do Maravillas haviam sobrevivido ao naufrágio e foram resgatados por outro barco da frota, que acabara seguindo a nau-capitânia em sua fuga desesperada em busca de águas rasas.

Em seguida, uma boia foi deixada no local para o futuro resgate da preciosa carga, o que foi feito ao longo dos 40 anos seguintes.

Mesmo assim, apenas um quarto das riquezas que o barco transportava foi recuperado pelos espanhóis, já que a popa do galeão, onde, entre outras preciosidades, supostamente havia uma estátua de ouro maciço de Nossa Senhora com o Menino Jesus no colo, jamais foi oficialmente encontrada.

Três séculos se passaram até que, um dia, no início da década de 1970, a rede de um barco de pesca enganchou em algo no fundo daquele mesmo baixio das Bahamas.

Os pescadores mergulharam para livrar a rede e a encontraram enroscada a um velho canhão.

Intrigados, começaram a vasculhar ao redor e outras partes de uma antiga nau foram surgindo, soterradas na areia: peças de ferro carcomidas pelo tempo, antigas garrafas, pedaços de madeira apodrecida, etc.

Era ela: a proa do Maravillas, cuja localização, com o passar dos séculos, também havia sido perdida.

A exploração do achado foi entregue a um americano caçador de tesouros, chamado Robert Marx, que, no entanto, logo se desentendeu com o governo das Bahamas a respeito dos direitos das coisas que encontrou nos restos do naufrágio.

Entre elas, fabulosos brincos de esmeraldas que haviam sido deixados para trás ou não encontrados pelos espanhóis que vasculharam os restos do naufrágio, mais de 300 anos antes.

Foi então chamado outro especialista, que, com a ajuda de sonares, retirou mais algumas peças e moedas do fundo do mar.

Mas sempre da proa do galeão.

Da sua popa, nem sinal.

Uma das teorias para explicar o sumiço da parte posterior e mais valiosa do Maravillas é que, naquela noite, empurrada pelos fortes ventos da tempestade, ela teria se desintegrado e espalhado seu conteúdo milionário por uma vasta área.

Portanto, não haveria um ponto específico do naufrágio, mas sim vários.

Além disso, após mais de três séculos debaixo d’água, tudo já estaria devidamente encoberto pela areia.

Oficialmente, ninguém nunca descobriu pista alguma do paradeiro da parte de trás daquele barco.

Mas, talvez, não tenha sido bem assim…

No início dos anos de 1990, outros pescadores localizaram uma moderna lancha naufragada não muito distante do ponto onde jaziam os restos da proa do Maravillas.

E dentro dela havia objetos retirados do próprio galeão espanhol, o que indicava que pessoas não autorizadas estavam saqueando os escombros.

Mas e se elas estivessem vindo da popa e não da proa da nau espanhola?

E se tivessem achado a parte mais valiosa do tesouro e não contado nada?

Como, em se tratando de tesouros submersos, quem encontra algo não fala, é perfeitamente possível que aqueles saqueadores que estavam a bordo da lancha naufragada estivessem vindo de outro local, quando tiveram o azar de também afundar.

Neste caso, pelo menos parte do conteúdo mais valioso do velho galeão já teria sido encontrado por alguém.

Mas, com certeza, não tudo.

Até porque era muito.

Documentos espanhóis da época do naufrágio registraram que, entre outras coisas, o Maravillas transportava esmeraldas colombianas de mais de 100 quilates, prata em abundância e uma quantidade de ouro estimada entre 30 e 40 toneladas, além da tal imagem da santa, sem falar no contrabando não declarado, como era hábito no passado.

E supõe-se que a maior parte disso continue no fundo do mar.

Só não se sabe onde?

O apelo do tesouro da popa desaparecida do Maravillas só não é maior dos que as dificuldades para tentar localizá-la.

Por isso, é bem provável que a parte mais valiosa do naufrágio mais rico das Bahamas continue em algum ponto submerso do seu mar, à espera de um sortudo que a encontre.

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