Quando o barco pesqueiro brasileiro Changri-Lá partiu do porto do Rio de Janeiro para mais uma habitual temporada de pesca na região de Cabo Frio, em 28 junho de 1943, o Brasil já estava em guerra contra a Alemanha nazista havia quase um ano.

Mas, exceto pelos costumeiros pedidos da Marinha para que os pescadores ficassem atentos a eventuais aparições de submarinos nazista na costa brasileira – e comunicassem o fato às capitanias -, não havia motivos para preocupações.

Afinal, o Changri-Lá era um simples barco de pesca, com casco de madeira de menos de 10 metros de comprimento, que não oferecia o menor risco – ou interesse – aos inimigos.

Pelo menos era o que todo mundo pensava.

A começar, pela própria tripulação do barco, todos humildes pescadores.

Por conta do mar agitado, a travessia até a Região dos Lagos, no litoral norte do Rio de Janeiro, foi lenta e cansativa, o que levou o mestre do pesqueiro, José da Costa Marques, a fazer uma parada não prevista em Arraial do Cabo, a fim de esperar que o tempo melhorasse.

Uma semana depois, em 4 de julho, o Changri-Lá partiu novamente, acrescido de mais quatro pescadores locais, que substituíram um dos tripulantes, Gabriel Soares Cardoso, que desembarcou por ter torcido o tornozelo – e, mais tarde, ele daria graças a Deus por isso.

Com nove homens a bordo, mais o filho do mestre, de 17 anos de idade, o Changri-Lá foi para o mar, tomou o rumo de um famoso pesqueiro da região, a algumas milhas da costa, e por lá ficou, até o dia 22, quando tudo aconteceu.

Naquele dia, os infelizes pescadores viram um grande submarino emergir bem ao lado deles e, sem nenhum aviso, abrir fogo.

Primeiro, com uma metralhadora.

Depois, com um canhão de 105 milímetros, que foi disparado sete vezes contra o indefeso pesqueiro.

Era o U-199, um submarino alemão comandado pelo tenente Hans Werner Kraus, à época com apenas 28 anos de idade.

Os dez pescadores foram sumariamente fuzilados e afundaram junto com o barco.

Seus corpos jamais foram encontrados.

Como, naquela época, as comunicações no mar eram bem precárias, especialmente em um simples barco de pesca, ninguém em terra firme ficou sabendo do ocorrido.

Só quando pedaços do barco começaram a chegar às praias da região (entre eles, restos de madeira estranhamento chamuscados) é que ficou claro que o Changri-Lá havia afundado.

Mas isso foi creditado a alguma tempestade, ou ao mar revolto, como registrado pela própria Capitania dos Portos da região no precário inquérito aberto, que sequer se atentou aos detalhes dos escombros, que continuaram chegando às praias da região.

Como aquele pedaço de madeira chamuscada, sinal claro de que não havia sido um simples naufrágio.

O inquérito, que também ignorou que um submarino alemão fora visto na entrada da Baía de Guanabara dias antes do desaparecimento do pesqueiro, concluiu que o sumiço do Changri-Lá e seus dez ocupantes fora uma tragédia natural gerada pelo mar, e a decisão foi aceita, com resignação, pelos familiares das vítimas – entre elas, a esposa do mestre do barco, que perdeu marido e filho.

Um ano depois, o processo foi arquivado pelo Tribunal Marítimo do Rio de Janeiro e esquecido.

Quando isso aconteceu, o próprio submarino que causara o desaparecimento do Changri-Lá também já havia deixado de existir, bem como a maior parte dos seus tripulantes.

Em 31 de julho de 1943, menos de dez dias após mandar pelos ares o barco de pesca brasileiro e todos os seus ocupantes, o U-199 foi detectado, bombardeado e afundado por um avião da Força Aérea Brasileira, logo após ter feito outra vítima em águas brasileiras, o cargueiro inglês Henzada.

O submarino afundou em menos de três minutos, mas 12 dos seus 61 tripulantes sobreviveram, entre eles o próprio comandante Kraus, graças aos botes infláveis que o próprio avião que os atacou lançou ao mar – um gesto humanitário que os pobres pescadores brasileiros do Changri-Lá não tiveram direito.

Em seguida, os tripulantes sobreviventes do U-199 foram resgatados e enviados aos Estados Unidos, como presos de guerra.

E foi lá que o capitão Hans Werner Kraus confessou o ataque ao pesqueiro brasileiro, durante um interrogatório, justificando o ato com dois argumentos: o de que precisava aferir e calibrar os armamentos do submarino (que, recém-lançado ao mar, ainda não havia feito nenhuma vítima), e, ao mesmo tempo, impedir que os pescadores comunicassem a presença do submarino alemão em águas cariocas, como sabiam que as autoridades brasileiras haviam pedido que todos os navegantes da região fizessem.

Mas a confissão dos alemães ficou confinada nos arquivos dos Estados Unidos e jamais foi comunicada oficialmente ao governo brasileiro, que continuou aceitando a tese de que o Changri-Lá afundara por obra da natureza.

Contribuiu para a confusão o fato de o comandante do submarino ter classificado o barco brasileiro como um “veleiro”, e não um barco de pesca, já que vira uma vela pelo periscópio, antes de atacá-lo.

Mas o que nem ele nem os americanos sabiam é que, para ganhar desempenho no mar, os pescadores do litoral norte do Rio de Janeiro tinham o hábito de adaptar uma vela na proa dos seus barcos, o que causou o mal-entendido.

Este fato e todos os desdobramentos dele só vieram à tona mais de 50 anos depois, quando, no final da década de 1990, o governo americano liberou a consulta aos arquivos militares da Segunda Guerra Mundial, e um historiador particular, o carioca Elísio Gomes Filho, que já suspeitava que o naufrágio do Changri-Lá poderia ter relação com o submarino alemão afundado dias depois, resolveu investigar os documentos da época.

Após ler o depoimento/confissão do comandante alemão, Elísio pressionou – e conseguiu – que o Tribunal Marítimo Brasileiro reabrisse o caso.

Em 2001, veio a correção e o veredito sobre o desaparecimento do pesqueiro foi alterado, para “ato de guerra”.

Suas dez vítimas ganharam também o direito de fazer parte do Panteão dos Heróis, no monumento aos Mortos da Segunda Guerra, no Rio de Janeiro.

Com base na confissão do comandante alemão e na revisão do veredito do Tribunal Marítimo, parentes de algumas das vítimas decidiram processar o governo da Alemanha por crime de guerra, uma ação inédita, que se arrasta até hoje nos corredores da Justiça brasileira.

Porque, para eles, de injustiça, bastaram os mais de 50 anos que o afundamento do Changri-Lá por um submarino alemão passaram esquecidos.

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